Assim como Sem Volta para Casa , Pantera Negra: Wakanda para Sempre é um filme de luto que não encontra tempo para velar ninguém. No film...
Assim como Sem Volta para Casa, Pantera Negra: Wakanda para Sempre é um filme de luto que não encontra tempo para velar ninguém. No filme do Homem-Aranha, isso se converte numa energia de crise, em que o moto-perpétuo da ação e a lógica da repetição do sacrifício se tornam motores de uma jornada notadamente emocional, baseada na autoanálise. Na continuação do Pantera Negra de 2018, que agora chega às telas dois anos depois da morte de Chadwick Boseman, o luto apenas se acumula em si.
A maneira que a Marvel e o diretor e corroteirista Ryan Coogler encontram para lidar com o sentimento de perda é saturar seu impacto. Tudo no filme parece ter sua importância redobrada pelo luto, tudo se torna mais grave e consequente. Os temas abordados em 2018 que deram a Pantera Negra a fama de ser um dos filmes mais “adultos” do estúdio reaparecem agrupados num pacote mais denso de pretensa seriedade geopolítica, como colonialismo, protecionismo, revolução e inclinação para a guerra.
As coisas começam a parecer fora de tom quando a trama se desenrola e denuncia as evidências de um roteiro fechado às pressas. São personagens importantes que se revelam meramente funcionais (como Riri Williams), são núcleos sem função dramática que ganham espaço só para encenar complexidade (nas cenas com Everett Ross) e são relações imediatistas de causa e efeito tomando o centro da ação (no vaivém do conflito raso entre Shuri e Namor). Tudo que é mal acabado em Wakanda para Sempre é igualmente mal acabado em um sem-número de outros blockbusters da estação, mas aqui isso parece mais gritante porque afinal trata-se de um longa-metragem que almeja mais, como manifesto e como elegia.
Não é o fato de Wakanda para Sempre ter 160 minutos que faz o filme parecer moroso, e sim esse acúmulo de pesares mal articulados no discurso e mal resolvidos na ação - acúmulo ao qual se soma a responsabilidade de encerrar a Fase 4 do MCU, a primeira que chega ao fim sem um filme dos Vingadores. A oportunidade de apresentar nas telas todo um canto escondido do Universo Marvel, a civilização submarina regida por Namor, tende a ser ofuscada em um mês pela chegada de Avatar 2, cujas fotos promocionais já têm mais contraste na iluminação do que qualquer cena de Pantera Negra 2.
Melodrama partido
A fila anda neste fim de ano, enfim, o MCU por sua vez avança; mas isso não resolve esse problema de Pantera Negra 2, que é encontrar um fecho digno para sua perda. O acúmulo de gravidade persiste até o fim, e então isso se torna um ponto de interesse porque afinal a corda tensionada tende a estourar em algum ponto - quiçá de forma criativa. No caso do mais recente Homem-Aranha, é uma expressão que se descobre criativa de uma forma quase autoparódica e às margens da esquizofrenia.
Já no caso de Wakanda para Sempre, como poderia se imaginar, o luto represado se concentra na ponta final do processo artístico - ou seja, nos corpos das atrizes que protagonizam a história, cada uma delas assimilando como pode esse sentimento mal direcionado de vazio. À sua maneira, Danai Gurira, Angela Bassett e Letitia Wright expressam a dor de uma forma muito física, com gritos acumulados nas veias do pescoço e falas cortadas pela perplexidade. O melhor que Ryan Coogler consegue fazer como diretor em Pantera Negra 2 - dado que a Marvel sempre em seus filmes tem outra equipe a cargo das cenas de ação e segunda unidade - é ter a sensibilidade de esticar os planos sempre que busca os close-ups de Okoye, Ramonda e Shuri, para registrar na imagem o impacto tanto da voz agoniada quanto do silêncio. São esses os momentos, por mais breves, em que Pantera Negra 2 enfim encontra tempo para as coisas assentarem, mesmo que assentem no desespero.
Quando privilegia os dramas compartilhados entre essas três personagens (que por si só têm outras implicações temáticas, envolvendo os desafios do matriarcado num mundo de tradições de guerra vinculadas ao patriarcado), Pantera Negra 2 vislumbra uma narrativa mais sólida para si. Convém não esquecer que estamos diante de um raro filme de super-heróis em que as mulheres não apenas são as protagonistas, como cabe à maioria dos homens um papel de paródia da masculinidade (o ator Winston Duke continua abraçando isso de um jeito formidável com seu M’Baku). Mas no fim parece insuficiente tentar acomodar essas questões dentro de uma visão de mundo que, por design, sempre vai escolher a masculinidade do belicismo. (Existe um custo por celebrar um universo fantasioso que foi iniciado em 2008 com uma armadura programada para ser uma máquina de matar moralmente inquestionável, e Pantera Negra 2 é só o filme mais recente a pagar essa fatura.) O dilema que se apresenta a Shuri, portanto, escolher entre a violência e a honradez, sempre vai ser um não-dilema. O choro sufocado de Letitia Wright diz respeito não apenas à ausência de T’Challa mas também a esse impasse que inviabiliza sua personagem.
Uma forma de iluminar as limitações de Pantera Negra 2 é compará-lo com seu duplo mais imediato, que não é o concorrente Avatar 2 e sim A Mulher Rei. Tanto o filme de Coogler quanto o épico de Gina Prince-Bythewood articulam os mesmos temas numa chave progressista, em busca de compensações para as tradições masculinas do militarismo que foram legadas ao matriarcado. Se A Mulher Rei resulta muito mais satisfatório, talvez seja porque não parece ter medo de recorrer ao melodrama para resolver suas questões de roteiro e discurso. É um filme que, ao contrário de Wakanda para Sempre, não cisca em torno de possíveis rompimentos e que abraça sem medo a autoanálise quando almeja a mudança. Todas as cenas de ritualismo em A Mulher Rei se engrandecem com isso; os ritos adquirem propósito.
Já o filme da Marvel e da Disney não apenas teme a mudança, como na sua seriedade de temas “importantes” e de “autenticidade” sequer parece enxergar o potencial que o melodrama sempre teve para dar corpo plenamente aos afetos, sejam os mais ou os menos aparentes. Dos cinco estágios do luto, estacionou na barganha, a eterna negociação de conciliar interesses às vezes incompatíveis como homenagear dignamente o passado, com paciência, e planejar friamente o futuro, com celeridade.
Fonte Omelete