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Slitterhead nasce como clássico cult mais esquisito do ano | Review

Slitterhead/Bokeh Game Studio/Divulgação Keiichiro Toyama  é uma das maiores lendas do terror nos videogames. Com franquias como  Silent Hil...

Slitterhead nasce como clássico cult mais esquisito do ano | Review
Slitterhead/Bokeh Game Studio/Divulgação

Keiichiro Toyama é uma das maiores lendas do terror nos videogames. Com franquias como Silent Hill e Siren no currículo, o desenvolvedor japonês decidiu trilhar um caminho independente ao fundar o estúdio Bokeh Game Studio em 2020, passando a trabalhar num novo jogo misterioso, que viria a se tornar Slitterhead.

Quatro anos depois, o título está prestes a ser lançado — e com tudo que se espera vindo da mente de Toyama.

Slitterhead nasce de uma mecânica cortada de Siren, e, seja por isso ou pelo fato de que a Bokeh é formada por desenvolvedores veteranos do gênero, o jogo tem uma forte pegada de “velha guarda”, sem medo de apresentar ideias malucas (por mais bizarras que sejam), abraçar uma galhofa ou apostar numa jogabilidade mais “crua”.

Isso resulta em algo que se aproxima de um terror mais “antigo”, flertando com a nostalgia de forma inerente e natural ao saber que é imperfeito — e fazer até mesmo isso ser a graça da experiência.

Cortem-lhe as cabeças

Ambientado em bairros pobres do Japão da década de 1990, Slitterhead coloca o jogador na pele do Espírito, uma entidade misteriosa que é capaz de possuir e controlar as pessoas, temporariamente concedendo poderes a elas.

Só que o Espírito perdeu toda a memória, então é movido apenas pelo instinto de erradicar uma ameaça parasita que cresce na cidade: a aparição de criaturas bizarras que se alimentam de cérebro humano, apelidadas de Cabeças-Rasgadas.

Captura de tela de Slitterhead
Também há espaço para a narrativa brincar com a tênue linha entre ser humano e se tornar um monstro (Imagem: Slitterhead/Bokeh Game Studio/Captura de tela)

Com o Espírito e os Cabeças-Rasgadas como pilares narrativos, a situação se complica ainda mais com a presença de Raridades, pessoas que têm compatibilidade maior de conexão com o protagonista e se tornam peças-chave para a trama e a jogabilidade.

Isso faz com que Slitterhead crie uma teia de mistérios cheia de maluquices, reviravoltas e até viagens no tempo (pois é), que dariam inveja a qualquer “filme B” de terror. Mas digo como algo extremamente positivo, uma vez que o próprio jogo tem consciência disso.

Propositalmente abraçar a bizarrice e o grotesco é algo digno de aplausos dentro do gênero, principalmente ao colocar brincadeiras escancaradas sobre isso. Um personagem, por exemplo, chega até a comparar os acontecimentos com o plot de uma ficção científica barata, mostrando como a Bokeh não teve medo de brincar com o próprio projeto e soltar as amarras da criatividade.

Captura de tela de Slitterhead
Em alguns momentos, Slitterhead parece uma “bad trip” de uma lenda urbana japonesa — e digo como elogio! (Imagem: Slitterhead/Bokeh Game Studio/Captura de tela)

Ter um protagonista sem uma forma corpórea é um risco imenso, mas que funciona em Slitterhead. Em partes, pelo menos. A ideia é possuir as pessoas para superar obstáculos na exploração e derrotar os Cabeças-Rasgadas no combate. Há algumas limitações, no entanto, como não poder atravessar janelas ou objetos sólidos, e ter um alcance relativamente curto para a possessão.

Mas o que mais chama a atenção é que a jogabilidade é truncada, e isso combina com o conceito do jogo. Afinal, você é um Espírito que controla civis, ou seja, pessoas comuns que não foram treinadas para o combate — e isso fica nítido ao trocar de corpo no meio da pancadaria, por exemplo, e do nada estar controlando um senhorzinho com galochas nos pés, que provavelmente só estava lavando a calçada de casa antes de ser arrastado para um campo de batalha contra a vontade.

Isso torna a limitação dos comandos um elemento próprio de Slitterhead, dando uma personalidade única ao game, para bem ou mal.

Captura de tela de Slitterhead
A troca de corpos no meio do combate é desengonçada por causa da câmera, que mexe sozinha para se adaptar ao novo corpo e prejudica a sua visão (Imagem: Slitterhead/Bokeh Game Studio/Captura de tela)

Com isso em mente, o combate consiste na troca de receptáculos e no cuidado com posicionamento, incentivando o jogador a ser inteligente com quantidade e não força bruta. Um humano sozinho não é páreo para um Cabeça-Rasgada, então a ideia é alternar o personagem jogável com frequência para pegar os inimigos desprevenidos, com ataques rápidos e pesados, e defesas na hora certa para contra-atacar.

O que mexe com a dinâmica das lutas é a presença das Raridades — aqueles que também são peças-chave na história. Cada uma apresenta personalidade e habilidades diferentes, possibilitando mais ataques diretos e poderosos. Julee, por exemplo, usa garras para causar dano, enquanto Alex aposta numa escopeta, Edo no mano a mano, Betty numa bengala e por aí vai.

Mas também é importante ficar de olho na barra de vida dos personagens, uma vez que essas habilidades únicas têm um custo. Cada uma delas gasta uma quantidade específica de sangue, que é subtraída da própria barra de vida. Então é preciso se curar nos momentos certos para não ser pego de surpresa pelos inimigos.

Captura de tela de Slitterhead
A breguice das cenas de conversas com Raridades também reforça o delicioso sentimento de “filme B” (Imagem: Slitterhead/Bokeh Game Studio/Captura de tela)

A troca de corpos também é primordial na exploração e para solucionar quebra-cabeças de ambiente, uma vez que é preciso trocar de personagem para coletar informações, acessar áreas restritas, e alcançar lugares muito altos ou bloqueados.

Só que o aspecto truncado aparece mais uma vez por aqui. Há muitas paredes invisíveis ao vagar pelos cenários, principalmente ao caçar os coletáveis do conteúdo opcional, que quebram a imersão e até dificultam a progressão. Isso, no entanto, não é justificado pela narrativa ou conceito do jogo, e acaba sendo apenas um traço da falta de polimento no level design, que poderia ter sido mais cuidadoso e menos repetitivo, uma vez que várias áreas e elementos visuais são reciclados em muitas missões.

Captura de tela de Slitterhead
Ao todo, são oito Raridades, e a maioria das missões possibilita levar dois deles para a pancadaria, dando espaço para ser estratégico (Imagem: Slitterhead/Bokeh Game Studio/Captura de tela)

Visualmente, o jogo não é tão polido, com texturas que não ousam sair do básico e nem focar em detalhes realistas. Mas consegue compensar com a criatividade da direção de arte.

Há algo de hipnotizante em Slitterhead. Talvez pela maneira como inexplicavelmente todas as missões são ambientadas à noite, ou como a paleta brinca com cores neon para dar um tom melancólico ao contrastar com a sujeira da cidade urbana, a Bokeh consegue construir uma atmosfera que parece prestes a engolir o jogador a qualquer momento.

Esse aspecto ainda é reforçado pela trilha sonora, que opta por grunhidos esquisitos, forte pegada em instrumentos de percussão e vozes incompreensíveis para estabelecer um tom inquietante que combina com a narrativa.

Algo que destoa, no entanto, é o design de monstros. Os inimigos são deliciosamente grotescos e propositalmente nojentos ao esbanjar gore, tentáculos bizarros e mesclar elementos humanos com insetos. Mas pecam na falta de variedade. Há, por exemplo, apenas três tipos de Cabeças-Rasgadas durante toda a história, e todos os chefes são versões mutantes de um louva-a-deus. Assim, o charme no visual está presente, mas acaba sendo levemente ofuscado pela repetitividade.

Captura de tela de Slitterhead
“Não há nada de anormal aqui”, já dizia Resident Evil (Imagem: Slitterhead/Bokeh Game Studio/Captura de tela)

É então que chegamos no tendão de Aquiles de Slitterhead: a repetitividade. Como mencionado antes, os cenários, os chefes e até as estratégias no combate têm a mesma lógica do início ao fim, com todos os inimigos com o mesmo modus operandi, uma alta reciclagem visual e pouca variedade como um todo — o que dá um toque cansativo a longo prazo.

Há muitas ideias criativas e divertidas que permeiam por todo o game, mas tanta repetição inevitavelmente é um tropeço para a experiência.

Um clássico cult imperfeito?

Slitterhead é um jogo que está bem longe da perfeição, e os desenvolvedores sabem disso. Na verdade, a Bokeh nunca almejou criar algo perfeito, mas sim imperfeito à sua própria maneira e fiel às suas próprias maluquices ambiciosas.

Apesar de falhas visuais e repetitividade, existe um charme contagiante para os fãs de um terror mais "sujo", sem muitas firulas, que resulta numa experiência que tem tudo para ser um clássico cult do gênero.

Essa review foi feita com uma cópia cedida pela Bokeh Game Studio.

Slitterhead será lançado no dia 8 de novembro para PlayStation 5, PlayStation 4, Xbox Series X|S e PC.

Fonte Jovem Nerd